O Espírito do Pantanal: 10 Anos

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

ACABOU


A Estrada chegou ao fim – Após quase 20 anos esmurrando, não só facas, mas também canivetes, punhais e similares e perder muito sangue, tempo, energias, o artista morre após agonizar. Vinte anos alimentando, o que diria Tancredo Neves “Um monstro que cresce e come o dono”. Um câncer maligno, um buraco negro ao devorar uma estrela moribunda. Se vão os sonhos pelos dedos como areia. Fracassei, não porque não quis vencer; o destino, e os inimigos impuseram em meu trilhar obstáculos grande demais para vencer sozinho: a vaidade e o egoísmo dos desenhistas de mangá brasileiros, o comportamento infantil dos otakus brasileiros, o desinteresse da grande imprensa em fortalecer os talentos nacionais, para dar total visibilidade ao “enlatado importado” fabricado no Japão, Coréia do Sul ou Estados Unidos e a ignorância de um povo que pensa que é gado por tanto dizer “fazer parte de um rebanho”; só se for de animais ruminantes. Intelecto de quadrúpede.

A única coisa que conquistei foram os inimigos; reais, de carne e osso e figurados.
Os inimigos de carne e osso ainda insistem na afirmação infantil de que o mangá só existe no Japão ou na Coréia do Sul, onde são produzidos como enlatados e exportados para países onde a atividade intelecto cultural sequer existe, como o Brasil, colônia cultural dos EUA desde a queda da Monarquia em 1889, preferindo assim, “copiar” sua Nova Metrópole ao invés de desenvolver uma cultura própria do zero. Inimigos esses, também consideram como “manga”, qualquer história delicada de amor entre meninos fofos para adolescentes carentes de atenção do papai e da mamãe para que eles lhe dêem cem, duzentos, quinhentos reais para torrar em brinquedos de animes e tokusatsu e assim, viver a fantasia de Peter Pan. Quanto os inimigos figurados, bem, são muitos e mais presentes do que os de carne e osso – sabe lá onde estes estão – mas os inimigos figurados são mais implacáveis: O Tempo, o dinheiro e o mais poderoso de todos: A vontade de Deus. Parece que ELES VENCERAM O GUERREIRO.

Ao derrotar o guerreiro e destruir seus sonhos, Sua estrada chegou ao fim antes do tempo. Seu corpo tomba vazio de qualquer essência vital, transcendental ou energética. Uma casca seca estira-se ao duro e quente negro asfalto da estrada do Destino que lhe fora interditada. Não há nada que se possa fazer a não ser ANUNCIAR A INTERRUPÇÃO INDEFINIDA DA PRODUÇÃO DE QUALQUER TRABALHO ENVOLVENDO AS PERSONAGENS MERETRIX DE METVS A PARTIR DE PRIMEIRO DE FEVEREIRO DE DOIS MIL E VINTE.

Estou abatido pela idade, amargurado, não só pelo fracasso de meus sonhos; minha única amiga deixou este mundo em dezesseis de dezembro do ano passado me fez desistir dos sonhos para viver uma existência tranquila e cinza baseado apenas no salário de funcionário público municipal e atividades ligadas à política – partidária e social – que de longe, são muito, muito, mas muito mais interessantes e prazerosas do que “brincar com super-heróis japoneses de papel”. E, infelizmente o manga, de fato faz analogias subliminares a androgenia como meta obrigatória de sucesso de público em festivais de manga, cosplay e similares. Nos animes e mangas mais conhecidos no planeta, TODOS ELES tem personagens travestis ou andrógenos; menos a minha aventura ecológica que tem personagens indígenas, militares da Força Aérea Brasileira, heróis, vilões e um guardião; TODOS ELES contam uma história fofa de amor entre meninos; menos a minha aventura ecológica manga inspirada no folclore indígena do Pantanal Mato Grossense; TODOS ELES são japoneses, falam japonês e moram no Japão; minha aventura ecológica TODOS OS MEUS PERSONAGENS SÃO BRASILEIROS E VIVEM OU LUTAM OU SE AVENTURAM EM ALGUM LUGAR DO BRASIL! Força-me a lembrar daquela canção antiqüíssima da intrépida trupe de Roger Rocha Moreira, chamada “Vamos virar japonês”, da década de 1980; época que sequer existia esses canais de fansubs onde otakus passam anos de suas medíocres vidas se masturbando para namoradinhas imaginárias, alimentando seus mais medonhos surtos psicóticos:

Somos um bando de Caipiras
Adoramos que vem do estrangeiro

Imitando também me admiro

Basta ver o “produto” brasileiro



Imitamos também tamo atrasadao

Copiamos modelo decadente

Até nisso nóis fomo ultrapassado

Até nisso nóis fomo incompetente



Vamos esquecer os americanos
Vamos esquecer os americanos

Vamos progredir de vez

Vamos virar japonês



Japa! Japa! Japa!

Até o comentarista político da Rádio Jovem Pan de São Paulo, Marco Antônio Villa adjetiva pessoas que tem um comportamento semelhante aos nossos queridos otakus de “rastaqueras”, ou seja, pessoa que gosta de chamar a atenção para sua ostentação rasa, aqui focada na ilusão de ser o adolescente mais otaku numa cidade em que mal se lê uma página de um livro. No caso a minha. Enfim, ao anunciar a interrupção definitiva de minhas aspirações artísticas como desenhista de manga, deixa claro que a culpa no meu fracasso não está em eu ser pobre, pardo ou morar em uma cidadezinha do Interior do Estado de São Paulo, mas sim, por acreditar em ser famoso desenhando um estilo de história em quadrinhos sectário e burguês onde só quem tem papai ou mamãe japoneses, que moram no Japão, ou que trabalham em uma multifuncional japonesa para “ter o direito” de ser otaku ou desenhar manga para agradar os amiguinhos do clube otaku mania.

Até um dia,
E Brasil acima de tudo.

GLAUBER GLEIDSON PERES

21 Janeiro 2020

 Baixe aqui o arquivo da carta de despedida de Glauber Gleidson Peres do universo dos mangás