A Estrada chegou ao fim – Após quase 20 anos esmurrando, não
só facas, mas também canivetes, punhais e similares e perder muito sangue,
tempo, energias, o artista morre após agonizar. Vinte anos alimentando, o que
diria Tancredo Neves “Um monstro que cresce e come o dono”. Um câncer maligno,
um buraco negro ao devorar uma estrela moribunda. Se vão os sonhos pelos dedos
como areia. Fracassei, não porque não quis vencer; o destino, e os inimigos
impuseram em meu trilhar obstáculos grande demais para vencer sozinho: a
vaidade e o egoísmo dos desenhistas de mangá brasileiros, o comportamento
infantil dos otakus brasileiros, o desinteresse da grande imprensa em
fortalecer os talentos nacionais, para dar total visibilidade ao “enlatado
importado” fabricado no Japão, Coréia do Sul ou Estados Unidos e a ignorância
de um povo que pensa que é gado por tanto dizer “fazer parte de um rebanho”; só
se for de animais ruminantes. Intelecto de quadrúpede.
A única coisa que conquistei foram os inimigos; reais, de
carne e osso e figurados.
Os inimigos de carne e osso ainda insistem na afirmação
infantil de que o mangá só existe no Japão ou na Coréia do Sul, onde são
produzidos como enlatados e exportados para países onde a atividade intelecto
cultural sequer existe, como o Brasil, colônia cultural dos EUA desde a queda
da Monarquia em 1889, preferindo assim, “copiar” sua Nova Metrópole ao invés de
desenvolver uma cultura própria do zero. Inimigos esses, também consideram como
“manga”, qualquer história delicada de amor entre meninos fofos para
adolescentes carentes de atenção do papai e da mamãe para que eles lhe dêem
cem, duzentos, quinhentos reais para torrar em brinquedos de animes e tokusatsu
e assim, viver a fantasia de Peter Pan. Quanto os inimigos figurados, bem, são
muitos e mais presentes do que os de carne e osso – sabe lá onde estes estão –
mas os inimigos figurados são mais implacáveis: O Tempo, o dinheiro e o mais
poderoso de todos: A vontade de Deus. Parece que ELES VENCERAM O GUERREIRO.
Ao derrotar o guerreiro e destruir seus sonhos, Sua estrada
chegou ao fim antes do tempo. Seu corpo tomba vazio de qualquer essência vital,
transcendental ou energética. Uma casca seca estira-se ao duro e quente negro
asfalto da estrada do Destino que lhe fora interditada. Não há nada que se
possa fazer a não ser ANUNCIAR A INTERRUPÇÃO INDEFINIDA DA PRODUÇÃO DE QUALQUER
TRABALHO ENVOLVENDO AS PERSONAGENS MERETRIX DE METVS A PARTIR DE PRIMEIRO DE
FEVEREIRO DE DOIS MIL E VINTE.
Estou abatido pela idade, amargurado, não só pelo fracasso
de meus sonhos; minha única amiga deixou este mundo em dezesseis de dezembro do
ano passado me fez desistir dos sonhos para viver uma existência tranquila e
cinza baseado apenas no salário de funcionário público municipal e atividades
ligadas à política – partidária e social – que de longe, são muito, muito, mas
muito mais interessantes e prazerosas do que “brincar com super-heróis
japoneses de papel”. E, infelizmente o manga, de fato faz analogias
subliminares a androgenia como meta obrigatória de sucesso de público em
festivais de manga, cosplay e similares. Nos animes e mangas mais conhecidos no
planeta, TODOS ELES tem personagens travestis ou andrógenos; menos a minha
aventura ecológica que tem personagens indígenas, militares da Força Aérea
Brasileira, heróis, vilões e um guardião; TODOS ELES contam uma história fofa
de amor entre meninos; menos a minha aventura ecológica manga inspirada no
folclore indígena do Pantanal Mato Grossense; TODOS ELES são japoneses, falam
japonês e moram no Japão; minha aventura ecológica TODOS OS MEUS PERSONAGENS
SÃO BRASILEIROS E VIVEM OU LUTAM OU SE AVENTURAM EM ALGUM LUGAR DO
BRASIL! Força-me a lembrar daquela canção antiqüíssima da intrépida trupe de
Roger Rocha Moreira, chamada “Vamos virar japonês”, da década de 1980; época
que sequer existia esses canais de fansubs onde otakus passam anos de suas
medíocres vidas se masturbando para namoradinhas imaginárias, alimentando seus
mais medonhos surtos psicóticos:
Somos um bando de Caipiras
Adoramos que vem do estrangeiro
Adoramos que vem do estrangeiro
Imitando também me admiro
Basta ver o “produto” brasileiro
Imitamos também tamo atrasadao
Copiamos modelo decadente
Até nisso nóis fomo ultrapassado
Até nisso nóis fomo incompetente
Vamos esquecer os americanos
Vamos esquecer os americanos
Vamos esquecer os americanos
Vamos progredir de vez
Vamos virar japonês
Japa! Japa! Japa!
Até o comentarista político da Rádio Jovem Pan de São Paulo,
Marco Antônio Villa adjetiva pessoas que tem um comportamento semelhante aos
nossos queridos otakus de “rastaqueras”, ou seja, pessoa que gosta de chamar a
atenção para sua ostentação rasa, aqui focada na ilusão de ser o adolescente
mais otaku numa cidade em que mal se lê uma página de um livro. No caso a
minha. Enfim, ao anunciar a interrupção definitiva de minhas aspirações
artísticas como desenhista de manga, deixa claro que a culpa no meu fracasso
não está em eu ser pobre, pardo ou morar em uma cidadezinha do Interior do
Estado de São Paulo, mas sim, por acreditar em ser famoso desenhando um estilo
de história em quadrinhos sectário e burguês onde só quem tem papai ou mamãe
japoneses, que moram no Japão, ou que trabalham em uma multifuncional japonesa
para “ter o direito” de ser otaku ou desenhar manga para agradar os amiguinhos
do clube otaku mania.
Até um dia,
E Brasil acima de tudo.
GLAUBER GLEIDSON PERES
21 Janeiro 2020
Baixe aqui o arquivo da carta de despedida de Glauber Gleidson Peres do universo dos mangás
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